Como pode um casal continuar evoluindo, diante dos desafios do viver a dois?
Pesquisas relatam que a crise dos sete anos está caindo para os três anos de convívio. Por que será?

A crise inicial de adaptação do casal que passa a conviver, seja ele casado ou não, é esperada. Adaptar-se aos ritmos, costumes e preferências do outro exige esforço, tempo e disposição. Toda a negociação que é exigida neste período é uma arte que a maioria dos casais desconhece, e saber que é necessário negociar não é saber negociar.

Ao conviver intimamente, as defesas do casal são colocadas em alerta, já que lidar com a intimidade que o viver junto propõe ameaça o eu individual. Cada um pode acionar suas defesas e colocar-se reativo ao outro, e ao invés de cooperar para viver com as diferenças que o casamento evidencia, passa a lutar para eliminar estas diferenças. Um luta contra o outro para superar as diferenças que não aceita. A competição está lançada. A cooperação e a inclusão do outro serão um desafio a ser enfrentado por todos os casais. Aquele que foi escolhido por ser quem ele era passa a ser alvo de tentativas e manobras para tornar-se diferente…

Por outro lado, as pessoas casam e passam a considerar que casadas estão. Elas consideram exatamente isto: que ser casado é o seu novo estado. E estado não se discute, simplesmente é.

Ser casado, vivenciado sob este paradigma, resulta em pressupor ser aceito naturalmente, sem esforço de adaptação. Certas crenças sobre ser casado existentes em nossa cultura ainda criam a expectativa de que há garantias neste estado civil. Por mais que as pessoas saibam que casamento pode não existir para sempre, e que a longevidade do casamento perdeu-se nos tempos do “amor líquido”, muitas acreditam a priori que o casamento delas irá sobreviver. Elas partem de representações mentais sobre sua conjugalidade, construídas ao longo da vida, de que ficarão casadas. Provavelmente estas representações fazem com que estas pessoas adaptem-se ao casamento e confirmem seu projeto de conjugalidade, ou que criem falsas visões sobre seus relacionamentos. Assim, um relacionamento pode ser insatisfatório em vários aspectos, mas confirma o projeto de conjugalidade da pessoa e ela não questiona o que necessita ser mudado.

Outras pessoas, por suas experiências vividas na família de origem ou em sua cultura, chegam ao casamento com a noção de que casamento não é para sempre e que a separação será o desfecho natural para o casamento delas. Porém, lidam concomitantemente com a pressuposição de que a separação correrá um dia, não sabem quando, lá na frente, após a vinda dos filhos, depois que eles crescerem, depois das bodas, depois de consolidar o patrimônio, depois, depois…

Assim, mesmo com o discurso corrente – “se não der certo eu me separo” – as expectativas frente ao casamento contêm a ideia de que casar é para ficar casado. Pois no momento em que as pessoas estabilizam sua união e criam compromissos uma com a outra, com dedicação, investimento na relação e parceria, separar-se torna-se uma realidade assustadora. Separar-se ameaça a estrutura da vida. Retira as certezas, tira do equilíbrio, dá medo. E ninguém quer passar por isto.

Vemos aqui o paradoxo: casar pode não ser para sempre. Mas as pessoas vivem como se fosse. A partir do momento que casam, passam a viver como se o casamento por si só fosse a garantia de que ele vai durar. Como se ele fosse um fim em si. Chegou-se ao objetivo, a vida agora é esta. Então não precisa se preocupar muito com o que se faz, nem com o que se diz ou deixa de dizer. As pessoas então acomodam-se, não propriamente ao casamento, mas à ideia que fazem dele, à representação mental que já vem construída antes mesmo do casamento se estabelecer.

A estabilidade é tão necessária que o ser humano economiza energia naquilo que já está garantido na sua vida, para poder investir no que não está. O trabalho, por exemplo, exige grande investimento de tempo, atenção e empenho. Ele raramente é estável. Para ele as pessoas dedicam-se diariamente. Para o casamento não. Ele ali está. Mesmo com carências, fissuras e insatisfações crônicas, a consciência de que ele pode se acabar não é concreta.

Vivida desta maneira, esta realidade é incongruente. Por um lado, o casamento não tem garantias e pode morrer se não for cuidado. Por outro, é vivido como se ele, por si só, fosse a garantia e como se não precisasse de investimento.
Aqui reside o equívoco: ser casado não é garantia de permanecer casado. Para permanecer casado, há que ter atitude e disposição, há que ter consciência.
Casamento não é uma condição do ser humano e sim uma escolha de vida. Casar é uma opção, e é útil ao casal, ao invés de pensar que é casado, pensar que está casado. A noção de transitoriedade é importante para a consciência da finitude dos laços. Pensar que está casado faz o casal se ver responsável por esta realidade, enquanto crer que é casado cria uma ideia de continuidade e atemporalidade que gera uma atitude passiva frente ao status que se consolida por si. O casal que se conscientiza de que está casado tem que se responsabilizar por continuar casado se assim o deseja. E tem que desenvolver posturas e compromissos responsáveis e conscientes frente à relação conjugal e ao cônjuge, individualmente.

Há uma pergunta básica que fazemos na terapia de casal: “O que obriga vocês a permanecer casados? “ Em geral a resposta vem automaticamente: “Nada nos obriga”. A consequência desta resposta para o casal é vital: por que querem continuar casados então? Ao dar esta resposta, cada um tem que pensar o que quer da vida, do casamento, do outro, mas também tem que pensar o que tem que dar de si para obter aquilo que deseja do casamento e do outro.

O que necessitam enfrentar para que o casamento continue? O que cada um quer do casamento? E o que oferta ao casamento para receber o que deseja? O que cada um tem a oferecer ao outro, daquilo que o outro precisa? Estas são algumas perguntas geradoras de reflexões na busca da responsabilidade individual frente ao casamento, que provocam a consciência de que para permanecer casados cada um tem que tomar esta decisão de tempos em tempos.

Se a crise chega cada vez mais cedo na vida dos casais da atualidade, provavelmente eles estão esperando do casamento mais do que ele pode dar e ofertando a ele menos do que ele precisa.

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